Em agosto deste ano, a Prefeitura de São Paulo submeteu o edital de fornecimento e manutenção de equipamentos e infraestrutura da Plataforma de Videomonitoramento Smart Sampa ao processo de consulta pública, através do sistema Participe +.
Sob argumentos como maior eficácia e agilidade no atendimento de ocorrências da Guarda Civil Metropolitana e demais órgãos de segurança, além dos 3,5 mil equipamentos do projeto City Câmeras, alvo de críticas pela sua ineficácia e suspenso desde meados de 2021, espera-se a integração de 20 mil novas câmeras à plataforma até 2024, além de um absurdo investimento estimado de R$ 70 milhões por ano.
As entidades e pessoas que subscrevem a campanha Tire meu rosto da sua mira, manifestam sua completa discordância a ampliação dos sistemas de vigilância estatal pela Prefeitura de São Paulo. Trata-se de sistema representados, por exemplo, pela da Plataforma de Videomonitoramento Smart Sampa, e que são implementados em detrimento dos Direitos Humanos, em um contexto em que a suposta “melhoria da segurança pública” não é sequer comprovada. Aqui, se dá especial ênfase no uso de tecnologias de reconhecimento facial por forças de segurança pública – tanto pelos motivos expostos quando da publicação da Carta Aberta pelo Banimento Total do Uso das Tecnologias Digitais de Reconhecimento Facial na Segurança Pública (disponível em https://tiremeurostodasuamira.org.br/carta-aberta/), quanto pelas razões listadas abaixo:
- O sistema deve englobar equipamentos com leitura automática de placas de veículos, detecção de movimento e reconhecimento facial; esta última funcionalidade ainda prevê que as imagens de rostos possam ser arquivadas com data, horário e endereço, inclusive com a detecção de faces parcialmente cobertas (como por óculos e barba, por exemplo).
- Tais informações serão cruzadas com bases de dados de diversas fontes, como as dos órgãos de saúde, educação, Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e das polícias, mas não somente.
- O edital ainda prevê o uso do sistema de videomonitoramento para rastrear pessoas consideradas suspeitas, classificadas a partir de seus movimentos, atividades, e diferentes tipos de características como cor e face.
Trata-se de um passo a passo que cria um cenário para que a população, como um todo, seja vigiada e monitorada, o que é ainda mais alarmante quando se considera o superencarceramento da população negra e o “perfil” das pessoas que são submetidas à violência policial no país. Além de refletir sobre os impactos aos Direitos Humanos causados pela violação do direito à privacidade, é necessário também pensar quais corpos sofrerão as consequências mais graves do monitoramento dos espaços comuns da cidade.
Em face desse contexto, perguntamos: eficiência e segurança para quem? A gestão do atual prefeito de São Paulo defende o uso de sistemas de reconhecimento facial como uma tecnologia eficiente e argumentou que a aplicação envolverá também avaliação humana, por agentes da Guarda Civil Metropolitana (GCM). Só que não podemos esquecer que, antes de ser prefeito, Ricardo Nunes foi vice-prefeito de Bruno Covas – cujo primeiro mandato se deu durante o pior momento da pandemia de COVID-19 e implicou a celebração de convênios entre a prefeitura e a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo “objetivando o emprego de policiais militares em Atividade Extraordinária de Trabalho Policial Militar e a consequente ampliação da sensação de segurança pública nas regiões centrais da cidade de São Paulo, ante a maior presença de pessoas estranhas ao ambiente que permanecem nas ruas no período de pandemia”1.
Nesse caso, as “pessoas estranhas” poderiam ser representadas, por exemplo, famílias inteiras em situação de rua devido ao quadro de calamidade em saúde pública2. Então, quem escolhe os parâmetros para definir que alguém é “estranho”? Cabe, assim, apontar a pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), que partiu da proposta de compreensão detalhada das relações entre policiamento e racismo no Brasil para questionar o “elemento suspeito” das abordagens policiais. A coordenadora da pesquisa, Silvia Ramos, comenta que um dos policiais entrevistados pela primeira edição do estudo (2003) teria dito que “como os policiais dizem pelo rádio da viatura, ‘o abordado é sempre o elemento suspeito cor padrão’” (CESeC, 2021, p. 163).
Não precisamos de mais casos de prisões indevidas baseadas em tecnologias de inteligência artificial para afirmar o que o estudo da Rede de Observatórios da Segurança comprovou: que, além de ineficiente, esses sistemas agravam o encarceramento de pessoas negras. Então, fica o chamado para uma mobilização contra a Plataforma de Videomonitoramento Smart Sampa.
Pelos motivos acima expostos, organizações e instituições que subscrevem essa carta defendem que o edital relacionado à Plataforma de Videomonitoramento Smart Sampa seja suspenso e que diante de tal conjuntura, aliada à urgência e necessidade de maior tempo para análise, compreensão e produção de contribuições mais robustas, solicitamos que sejam convocadas audiências públicas para permitir a participação multissetorial, interdisciplinar e representativa dos grupos diversos afetados por essa política municipal.
São Paulo, 22 de novembro de 2022.
Campanha Tire Meu Rosto da Sua Mira
tiremeurostodasuamira@proton.me
1 Processo administrativo n.º 6029.2020/0016734-0 PMSP.
2 Pandemia ‘empurra’ desempregados para ruas e abrigos em SP – CNN – 05/07/2020
3 Ramos, Silvia. Elemento suspeito [livro eletrônico]: racismo e abordagem policial no Rio de Janeiro /Silvia Ramos…[et al.]; ilustração Miguel Morgado. – Rio de Janeiro : CESeC, 2021.